Por Hugo Che Piu Deza
Direito, Ambiente e Recursos Naturais (DAR)
Em 11 de outubro de 1492, no final do século XV, todos os habitantes deste continente estavam incontactados. No dia seguinte, foi estabelecido o primeiro contacto inicial, não pelos habitantes destes territórios, mas por iniciativa de um grupo de estrangeiros que pretendia enriquecer abrindo uma nova rota comercial. Chegaram sem autorização ou convite às ilhas e ficaram para extrair minerais preciosos de todo o continente, justificando a sua presença com o objetivo de evangelização. O local era o continente a que hoje chamamos América e as consequências imediatas foram a exploração e o declínio das populações autóctones em resultado desses abusos e também de agentes patogénicos para os quais as populações autóctones não tinham anticorpos.
Quatrocentos anos mais tarde, no final do século XIX, vários povos isolados e não contactados viram chegar às suas florestas um grupo de forasteiros que procuravam ganhar dinheiro com a exploração da borracha. Justificavam as suas acções dizendo que levavam a civilização a esses povos e o patriotismo aos confins das fronteiras. O local era a Amazónia peruana, fazendo com que milhares de índios da Amazónia perdessem a vida devido a doenças e maus tratos. A tática de defesa de alguns destes povos amazónicos foi a fuga para territórios mais isolados, escapando à subjugação, à exploração e à morte.
Mais de cem anos depois, no século XXI, a mesma velha ambição de enriquecer através da extração de recursos naturais (petróleo, madeira, etc.) volta a ensombrar os territórios habitados por estes povos amazónicos isolados. A justificação – porque há sempre uma justificação – é o desenvolvimento do país, o bem-estar da região e até levar serviços básicos a estas aldeias. No entanto, não se considera que estes povos ainda não têm defesas e anticorpos contra os vírus e as doenças que transportamos connosco. Aqueles que falam de “desenvolvimento” estão agora mesmo a dizer que os povos indígenas em isolamento voluntário não existem, e estão prestes a fazê-lo, uma vez que pretendem continuar a invadir os seus territórios sem permissão ou convite para se apoderarem dos recursos naturais que sempre procuraram e deixar-lhes a morte da qual sempre fugiram. Se não o evitarmos, as consequências também serão as mesmas de sempre: subjugação, exploração e morte.
Esta década poderá ser a última vez que os povos indígenas em isolamento voluntário voltarão a deparar-se com o extractivismo, porque já há muito poucos lugares para onde possam fugir ou refugiar-se. Mas também pode ser o fim desta perseguição desumana aos territórios dos povos indígenas isolados. O dia 18 de maio de 2023 marcou 17 anos desde a publicação da Lei para a Proteção dos Povos Indígenas ou Nativos em Isolamento e em Situação de Contacto Inicial. A perseguição do extractivismo contra os povos indígenas isolados chegou mesmo ao Congresso, onde o objetivo é enfraquecer a lei, acusando-a de “limitar desnecessariamente o uso sustentável dos recursos naturais nestes territórios e, pior ainda, impedir a implementação de projectos de investimento público ou privado…”. Penso que existe suficiente decência e consciência histórica no país para dizer “basta”. Se o país tem mais de 128 milhões de hectares e a Amazónia peruana tem mais de 70 milhões de hectares, por que razão precisamos de extrair recursos naturais de pouco mais de 4 milhões de hectares[1] onde vivem e se deslocam povos indígenas em isolamento voluntário?
Não podemos mudar o passado, mas podemos escrever o futuro de uma forma diferente. De uma forma em que a procura de riqueza para alguns não termine, para outros, em subjugação, exploração e morte. Podemos começar por evitar o enfraquecimento do quadro jurídico que protege as crianças e os adolescentes.
[1] A soma das áreas das reservas indígenas e territoriais totaliza 4.116.338 hectares.